domingo, 8 de maio de 2011

O saber se vai com o tempo

Sentado de frente pra casa da pessoa que ama (ela ainda não sabe) e encostado em um poste, o garoto pensa em tudo que já viveu, pensamento raro, na verdade único na vida da jovem criatura, talvez pela inutilidade de tal pensamento, que não irá lhe trazer um pipa, uma bola, ou o amor da menina da casa da frente. E da mesma forma que não achamos motivos para tal reflexão, mais difícil ainda é explicar à vocês porque ele resolveu faze-la.
Fato mesmo, é que durante este momento ele pode perceber o quanto já havia vivido. Saudades da vovó que se foi, do tio João e do troco que sobrava, e ele sempre me dava quando ia comprar cigarro na venda pra ele, e como será que anda o bolinha? (SEU PRIMEIRO E ÚNICO CACHORRO DE ESTIMAÇÃO QUE A CARROCINHA LEVOU EMBORA. O MENINO JÁ NÃO ACREDITAVA EM PAPAI NOEL, NEM ESPERAVA O COELHINHO DA PASCOA, MAS POR ALGUMA RAZÃO, RESOLVEU ACREDITAR QUANDO SEUS PAIS CONTARAM QUE O BOLINHA HAVIA SIDO LEVADO À UM CIRCO, SÓ DE CACHORROS), também se recorda da vez em que se perdeu na praia, e foi levado por um salva vidas até um posto policial, onde foi encontrado depois, por sua família, e enquanto temia levar a maior bronca da vida, sua mãe o abraça chorando, e dizendo que o amava, lembra também das brigas que teve com sua irmã, e nas inúmeras vezes que ela disse que o odiava, e que nesse mesmo episodio da praia ela também estava presente com a maior cara de preocupação e alivio, no fundo ela também disse "te amo".
De tudo mais o garoto lembrou , do medo que sentiu quando seu pai perdeu o emprego, ou quando chegava a temida reunião de pais, se lembrou inclusive do medo que sentirá das reuniões que estão por vir. Lembrou-se também do seu primeiro dia na escola, da professora Josefina, e de seus óculos, ele parecia dizer: "Sou professora, e você é o aluno". 
Das broncas que o Carlinhos levava, por insistir em não compreender a mensagem que ela passava quando colocava aqueles óculos e entrava na sala de aula. Mas ele bem que merecia, como daquela vez em que pintou todos os dentes com um pincel que seria usado na atividade de artes, o grande problema é que alem da bronca fomos todos castigados, e proibidos de levar o brinquedo na tão esperada sexta feira, para a escola.
Foi então, que todos esses pensamentos e memórias foram interrompidos por uma indagação:
_Poxa, tanta coisa eu já vivi, como ainda me dizem que eu não tenho experiencia?

E a resposta? Bom, esta veio logo em seguida:
_Pois eu tenho sim, muita experiencia, e sei de tudo! 
Foi quando todos os pensamentos do mundo foram imediatamente cortados. 
A tal garota amada vinha virando a esquina, em direção a sua casa, e o garoto mais "elétrico" do que o poste em que ele estava encostado, fazia a si mesmo mil perguntas ao mesmo tempo:
O que faço agora? 
Falo com ela?
Finjo que nem estou vendo?
Fico de pé ou continuo sentado? 
E se eu levantar e ir embora? Talvez ela não tenha me visto aqui.
Tudo em vão. 
Pois enquanto tamanha sabatina acontecia, a menina passou, parou de frente o portão, abriu o cadeado, e sumiu casa a dentro.
Nada aconteceu, nada foi dito.
Nosso amigo não conseguiu responder nenhuma de suas próprias perguntas.
Mas ele ainda continuava, e continua achando que sabe de tudo.
Lendo este texto, e analisando o que acabei de escrever, fui tomado por um imenso sentimento de inutilidade. Pois, o que de novo falei eu aqui?
Afinal, ele era apenas um garoto, e os garotos sempre sabem de tudo.

Mas ele vai crescer, e se você já cresceu, também sabe que a primeira coisa que ficamos sabendo quando deixamos de ser garoto, é que não sabemos de nada.

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